sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Wislawa Szymborska



visto do alto 

um besouro morto num caminho campestre.
três pares de perninhas dobradas sobre o ventre.
ao invés da desordem da morte - ordem e limpeza.
o horror da cena é moderado,
o âmbito estritamente  local, da tiririca à mente.
a tristeza não se transmite.
o céu está azul.

para nosso sossego, os animais não falecem,
morrem de uma morte por assim dizer mais rasa,
perdendo - queremos crer - menos sentimento e mundo,
partindo - assim nos parece - de uma cena menos trágica.
suas alminhas dóceis não nos assombram à noite,
mantêm distância,
conhecem as boas maneiras.

e assim esse besouro morto no caminho,
não pranteado, brilha ao sol.
basta pensar nele a duração de um olhar:
parece que nada de importante lhe aconteceu.
o importante supostamente tem a ver conosco.
com a nossa vida somente, só com a nossa morte,
uma morte que goza de forçada precedência.

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